Na Grécia, a escravidão esteve encerrada dentro de pequenas propriedades, ou seja, o escravismo coincidiu com a estabilização da pequena propriedade e com um corpo compacto de cidadãos (os proprietários de terras).
A civilização helênica, principalmente no Oriente, acumulou
enormes propriedades de terras em mãos da nobreza (dinastias), mas não difundiu
largamente a escravidão.
Em Roma, uma aristocracia que já gozava do domínio econômico
e social, aproveitou-se da expansão romana para aumentar seus latifúndios
cultivados por escravos. A mão de obra para essas enormes explorações foi
fornecida por uma série espetacular de vitórias militares.
O Estado de guerra constante necessitava de uma mobilização
permanente e, os plebeus, chamados, anos após anos, para combater nas legiões,
morriam aos milhares, enquanto os que permaneciam vivos, eram incapazes de
manterem suas propriedades rurais, que iam, progressivamente, sendo absorvida
pela nobreza romana.
O militarismo predatório, da República de Roma, foi sua
principal alavanca de acumulação econômica. A guerra trouxe terras, tributos e
escravos. Os escravos (ao trabalharem a terra, permitia que trabalhadores livres
– os plebeus – pudessem deixar o campo e partir para a guerra), os tributos
(pagos pelos derrotados de guerra) e as terras conquistadas, forneceram o
material para novas conquistas militares.
O êxito da organização da produção agropecuária em larga
escala, com o trabalho escravo, foi conquista prévia da colonização de grandes
territórios ocidentais. No entanto, no Oriente, os romanos se contentaram em
administrar as rendosas províncias asiáticas, com um mínimo de mudanças sociais.
Não se notou uma generalização da escravidão, mesmo porque os prisioneiros de
guerra eram enviados para Roma, para emprego no Ocidente.
O modo de produção escravista não possuía um mecanismo
interno de auto-reprodução. Tradicionalmente o suprimento de escravos dependia
das conquistas no exterior. A República saqueara todo o Mediterrâneo em busca de
escravos. O principado deteve a marcha de expansão, delimitando as fronteiras do
Império (98 a 117) e com o fim das conquistas, secou o manancial de cativos de
guerras – os escravos.
Por outro lado, o modo de produção escravista não tinha
espaço para aperfeiçoamento tecnológico. A agricultura romana ignorou, quase que
completamente, a Azenha (máquina para moer trigo, descoberta na Palestina em 1
AC) e a ceifadeira (descoberta na Gália, 1 da era Cristã). É significativo que
os únicos grandes progressos e invenções técnicas, tenham ocorrido no campo da
engenharia militar e da arquitetura e, se destinavam aos arsenais, fortificações
e ou ao ornamento cívico.
Como se vê, a escravatura era a mola econômica que unia a
cidade ao campo, em benefício desproporcional da cidade. O solstício (esplendor)
da cultura urbana clássica foi sempre testemunha do auge da escravatura, e o
declínio da cultura urbana, na Grécia helenística ou na Roma cristã foi marcado
pelo fim da escravidão.
O preço pago foi enorme, as relações escravocratas de
produção impuseram limites insuperáveis à produção. Mais brutal ainda é o
contraste entre a vitalidade cultural (com destaque para as ciências,
especificamente a Filosofia) e a tecnologia manual empregada, exígua e
primitiva, não somente em função dos padrões imediatamente posterior, mais acima
de tudo, em função de seu próprio fundamento intelectual, que em muitos aspectos
decisivos manteve-se muito acima do que foi produzido na Idade Média.
O esplendor e a solidez da antiga pólis grega e da posterior
República Romana representavam um marco de organização e cultura urbana. Este
friso de civilização urbana não foi acompanhada de uma organização do trabalho
urbano que lhe comparasse, pelo contrário, a prosperidade material que
sustentava esta vitalidade intelectual e cívica provinha em proporções
esmagadoras do campo.
As cidades greco-romanas nunca foram predominantemente
comunidades de manufatureiros, comerciantes ou mercadores, eram antes, agregados
urbanos de proprietários de terras. Esta vitalidade econômica das cidades foi
sempre limitada e dependente: o seu percurso refletia mais do que
contrabalançava a do campo.
Encerrada a expansão territorial, não houve aumento da
população e da produção urbana que compensasse o declínio silencioso da mão de
obra escrava. Desde fato resultou uma grave crise no início do século III, que
em breve evoluiu para uma paralisia geral, em meio a violentos ataques externos.
A agitação política interna e as invasões estrangeiras, em breve deixaram um
traço de epidemias sucessivas que enfraqueceram e reduziram a população romana,
que estavam sendo dizimadas pelas guerras. Muitas terras foram abandonadas,
aumentava as falhas no abastecimento de produtos agrícolas às cidades,
desintegrou-se o sistema fiscal, desvalorizou-se a moeda, etc.
Em fins do século III, a partir de Diocleciano, o estado
Imperial mudava e recuperava-se, graças às reformas produzidas no Estado e a uma
série de belicosos generais Danúbio balcânicos que sucessivamente envergaram a
púrpura. Eles se preocuparam em aumentar os quadros do exército, com a
reintrodução do alistamento obrigatório e a participação, cada vez maior, dos
“bárbaros” nos exércitos de Roma. Os altos postos militares são confiados a
homens da própria ordem, deslocando a aristocracia senatorial do centro do
poder; estabeleceu-se um novo sistema fiscal, mais rigoroso e, introduziu-se,
pela primeira vez no mundo antigo, um orçamento anual.
Para Perry Anderson, o predomínio dos imperadores da região
balcânica, explica-se pelo fato desta região - fronteira dos Impérios do
Ocidente e Oriente – nunca ter sido tão amplamente escravista, como em outras
áreas do Ocidente. Com isso, a crise da agricultura escravista não a atingiu com
a mesma intensidade, preservando sua vitalidade econômica em meio à crise do
Império. Ao mesmo tempo, seu sucesso político é inseparável de sua latinidade.
Lingüisticamente era romana e não grega a parte mais oriental do Ocidente.
Essa expansão do Estado não foi acompanhada de uma
recuperação econômica, pelo contrário, há uma contínua contração econômica,
conseqüência do declínio da mão de obra escrava e das perdas demográficas do
século III. O comércio e a indústria declinam progressivamente, o que acaba
levando a uma “ruralização” inequívoca do Império.
Foi, inegavelmente, no campo que a crise da Antiguidade teve
início. Enquanto as cidades declinavam, no campo, o trabalho torna-se cada vez
mais escasso e, por isso vai se convertendo em adscrição vinculada ao solo. Os
proprietários de escravos, (cuja produção já não é vendida nas cidades), tem
dificuldades para sustenta-los. Libera-os, então, para produzirem nas cercanias,
para o próprio sustento. As grandes propriedades agrícolas tendem a se dividirem
em explorações nucleares, cercadas por um conjunto de pequenas parcelas
cultivadas por camponeses dependentes.
A diversidade na formação do Ocidente, em relação ao Oriente,
transformou-o num verdadeiro campo de ensaio, o teatro, autêntico e decisivo, do
Universo da Antiguidade Clássica. Foi por isso que a economia escravista,
aperfeiçoada por Roma, foi transportada e implantada em terreno social quase
virgem. O modo de produção escravista, que foi a mola da expansão romana, se
naturalizou no Ocidente. Era, segundo Perry Anderson, lógico e previsível, que
as contradições internas desse modo de produção evoluíssem até sua consumação
extrema, no Ocidente.
Desde o final do século III houvera revoltas camponesas na
Gália e na Espanha. Estes levantamentos combinaram revoltas contra a escravidão
e o colonato. Do Vale do Loire para o Norte, os rebeldes criaram um Estado
independente, expulsando oficiais do exército romano, expropriando os donos de
terras, criando seu próprio exército e um sistema próprio de justiça.
A polarização social do Ocidente acabou num sombrio final,
com o Império Romano dilacerado por cima e por baixo, por forças internas, antes
que as forças externas o invadisse e dessem o golpe final.
José Tadeu Cordeiro, baseado em Perry Anderson, Passagens da
Antiguidade ao Feudalismo, São Paulo, Brasiliense,1995.
Interpretando o texto
1ª Qual a diferença que o autor constata na posse da terra e no trabalho entre o
Oriente e Ocidente?
2ªExplique a frase: “O militarismo predatório, da República de Roma, foi sua
principal alavanca de acumulação econômica. A guerra trouxe terras, tributos e
escravos. Os escravos, os tributos e as terras conquistadas, forneceram o
material para novas conquistas”.
3ª Qual a importância do trabalho escravo ? Qual a relação trabalho escravo com
desenvolvimento tecnológico?
4ª Quais as causas da decadência de Roma?
5ª Por que os imperadores danúbio-balcânicos foram preponderantes nos dois
últimos séculos de Roma? O que ocorria com o Ocidente romano?