Quando essa onda de invasões de terra começou, há dez anos, o MST defendia-se afirmando que “ocupava” as propriedades, não as invadia. A diferença, sutil, significava que as fazendas, sendo improdutivas estavam ociosas.
Embora juridicamente discutível, essa tese ganhou adeptos
políticos e firmou-se na opinião pública. Afinal, a terra não tinha dono, estava
vazia. Legitimava-se, assim, o esbulho.
O MST, depois mudou de postura. A partir de 1995 começou a
invadir a terra produtiva. A primeira delas foi a Aliança, em Ponta Preta, MT.
Com 7 mil hectares, pastagens todas plantadas, reserva florestal averbada, 5 mil
cabeças de gado, 21 empregados registrados, 68 represas, 160 km de cercas, a
fazenda era um exemplo de tecnologia na pecuária. Já não era mais uma
“ocupação”, mais sim uma verdadeira invasão de propriedade rural.
Desde então, a luta pela reforma agrária foi se desvirtuando.
Surgiram dissidências do MST, no Triângulo Mineiro e no Pontal do Paranapanema.
No sul do Pará, grupos armados passaram a invadir propriedades rurais,
roubando-as em nome da justiça social. Especuladores malandros passaram a
articular essas invasões, depreciando o preço das terras para negocia-las.
Noutros casos, a invasão era simulada para vender as terras ao Incra. Virou uma
esculhambação.
O governo tentou reagir, deixando de vistoriar e, por
conseqüência, de desapropriar terras invadidas. O resultado foi insuficiente.
Nos últimos três anos, salvo exceções, todas as terras que serviram de palco
para conflitos agrários são produtivas. O último exemplo foi a Taturi, em
Amambaí, MS. Com 4.200 hectares, essa fazenda é pioneira na criação de novilho
precoce, tecnologia no cruzamento de raças bovinas de alta produtividade. Acabou
sendo invadida e, após laudo judiciário, teve sua desapropriação arquivada pelo
Incra. Uma barbaridade.
Afinal, o que está acontecendo com a nossa reforma agrária? A
resposta é surpreendente: acabou o estoque de terras ociosas, improdutivas,
prontas para assentamentos. Por duas razões: a primeira, o governo desapropriou
um fabuloso montante de 20 milhões de hectares, equivalente a metade da área
cultivada no país. Simplesmente não existem mais fazendas improdutivas para
serem desapropriadas, especialmente no Sul-Sudeste, o que é admirável.
Em segundo lugar, os produtores rurais, temerosos da reforma,
investiram em suas terras, ocupando-as eles próprios. Isso significou um aumento
da produtividade, renovação de pastagens, melhorias na conservação do solo.
Sem terras improdutivas para distribuir, como ficam os
sem-terras? Aqui a resposta é arrebatadora. Eles também, felizmente, estão se
acabando. A maior prova está sendo oferecida pelas recentes invasões. Todos,
inclusive os líderes do movimento, já são assentados em projetos de reforma
agrária. Viraram, agora, trabalhadores “com terra”.
Dois mitos da reforma agrária brasileira se esvaecem. Nem o
Brasil é mais um enorme latifúndio improdutivo, nem as hordas de “sem terra”
perambulam mais pelo campo. Graças a Deus.
Ainda há, com certeza, muita terra disponível para ocupação
agropecuária. São florestas virgens na Amazônia, perto de 100 milhões de
hectares; cerrados montanhosos no Centro-Oeste, outros 80 milhões, terras no
sertão nordestino, mais 25 milhões de hectares. Considerar isso terra
“improdutiva” é uma afronta a Agronomia.
Desempregados e gente excluída, ninguém duvida, existem por
demais na sociedade, principalmente nas periferias das grandes cidades.
Considera-los, porém, trabalhadores “sem terra” significa deformar a história.
Na maioria das atividades rurais, ao contrário do que se imagina, está faltando
mão de obra para trabalhar.
Formulado na década de 60, o distributivismo agrário já não
consegue mais vingar. Novas políticas de combate à miséria rural carecem ser
promovidas, valorizando agora o trabalhador “com terra”, o produtor rural. Sejam
os 580 mil assentados egressos do MST, que precisam perder a mania de se
considerar “sem terra”, sejam principalmente os 4 milhões de pequenos e médios
agricultores que já cultivavam a terra há décadas ou séculos, vendo-se ameaçados
pela cruel competição dos mercados globalizados.
A verdade é que findou um ciclo da reforma agrária. Com ele
acabou o velho MST, que agora precisa encontrar novos rumos. Só não pode
descambar para o banditismo rural, um neofacismo debochado que afronta a
democracia. É intolerável.
Xico Graziano é deputado federal (PSDB).OESP 27.03.2002, pp.
A2.
Interpretando o texto
1. Qual a diferença entre ocupação e invasão de propriedades, segundo o MST?
2. Qual era a situação da Fazenda Aliança, em Ponta Preta – MT, quando foi
invadida pelo MST?
3. Por que e onde surgiram dissidências no MST, segundo Xico Graziano?
4. Qual a reação do governo Fernando Henrique diante das invasões de terra?
5. O que está acontecendo com nossa reforma agrária? Quais os mitos da Reforma
Agrária que caíram por terra? Por que o distributivismo agrário da década de 60
não vinga mais hoje?