Introdução
“Memória é vida. Seus portadores sempre são grupos de pessoas
vivas, e por isso a memória está em permanente evolução. Ela está sujeita a
dialética da lembrança e do esquecimento, inadvertida de suas deformações
sucessivas e aberta a qualquer tipo de uso e manipulação (...). A história é
sempre a incompleta e problemática reconstrução do que já não existe. A memória
sempre pertence a nossa época e está intimamente ligada ao eterno presente: a
história é uma representação do passado”.
Pierre Nora, 1984
Hobsbawn parte de dados biográficos – sua mãe formou-se numa
escola de ensino secundário, em Viena, 1913, uma façanha incomum na Europa
Central, e ganhou como premio uma viagem ao exterior. O lugar escolhido foi o
Egito, então um museu vivo, próprio para o aprimoramento cultural e, onde vivia
um tio, com empórios em vários lugares do Oriente. Seu pai, filho de imigrantes
poloneses, que buscavam melhores condições de vida em Londres, partiu para o
Egito para trabalhar numa companhia de navegação. Lá os dois se encontraram e
casaram-se.
Para o autor é improvável que um encontro assim tivesse
acontecido, nessas circunstâncias, em qualquer período anterior a essa época,ou
seja é nessa época de expansão imperialista, onde um grupo pequeno de países
dominaram o mundo todo, que foi possível o encontro de pessoas de classe média,
a trabalho ou divertindo-se em outros continentes.
Para todos nós há uma zona de penumbra entre a história e a
memória, entre o passado como um registro geral aberto a um exame mais ou menos
isento e o passado como parte lembrada ou de experiências de nossas vidas.
A extensão dessa zona de penumbra pode variar, bem como a
obscuridade e a imprecisão que a caracterizam. Mas sempre há essa
terra-de-ninguém no tempo.É a parte da história cuja compreensão é mais árdua
para os historiadores – é o caso do autor ao se propor a compreender este
período.
O mundo em que vivemos é ainda, em grande medida um mundo
feito por homens e mulheres que cresceram no período de que trata este livro.
Considere-se as personagens políticas do século XX, em 1914 Lênin tinha 44 anos;
Stalin, 35; Roosevelt,30; Keynes,32; Hitler,25; Churchill,40; Ghandhi,45; Nehru,
25; Mao,21; Tito e Franco, 22; etc. e, depois de transcorridos 75 anos do século
XX, a Era dos Impérios é significativa na formação do pensamento moderno.
Ao contrário do historiador das Cruzadas, o historiador da 2ª
Guerra Mundial pode ser corrigido por aqueles que, lembrando dela, meneiam a
cabeça e lhe dizem:”Mas não foi nada disso”. Não obstante, as duas versões da
história – a acadêmica, extraída de arquivos, documentos, etc., e, a existencial
ou a memória viva que são, em sentidos diferentes, construções coerentes do
passado. Por isso mesmo é importante desmistificar a Era dos Impérios, pois já
não vivemos nela, mas não sabemos quanto dela ainda vive em nós.
A história não é como uma linha de ônibus em que todos –
passageiros, motorista e cobrador – são substituídos quando chegam ao ponto de
destino.
Agosto de 1914 foi considerado o marco do fim do mundo feito
pela e para a burguesia. Não é por outro motivo que esse período (1875-1914)
atraiu um enorme número de historiadores que discutiram o imperialismo, o
desenvolvimento dos movimentos trabalhistas e socialistas, o declínio econômico
britânico, a Revolução Russa e, principalmente, as origens da 1ª Guerra Mundial.
A questão das origens da 1ª Guerra mantém se viva porque as
origens das guerras têm se recusado a desaparecer desde 1914. A maioria desses
autores ou se voltam ao passado, como The Proud Tower : um retrato do mundo
anterior a guerra (1890-1914) de Bárbara Tuchman, ou ao futuro, como The Visible
Hand – gênese da administração moderna) de Alfred Chandler.
Os menos observadores e mais sentimentais tentam
constantemente retomar os encantos de uma época que as lembranças das classes
ricas e médias tenderam a ver o mundo através de uma névoa dourada: a belle
époque – o que agradou aos produtores de espetáculos e a mídia.
Outros historiadores mais preocupados com o fato de boa parte
do que é característico de nossa época terem aí suas origens. Na política, os
partidos trabalhistas e socialistas tiveram suas origens entre 1875-1914. A
mesma filiação são as políticas de governos eleitos pelo voto democrático, o
partido de massa moderno e o sindicato de massa, organizado a nível nacional,
bem como a legislação moderna, relativa ao bem estar social.
Com o nome de “modernismo”, a avante guarde desse período
dominou a maior parte da produção cultural erudita do século XX. A cultura da
vida cotidiana ainda é dominada por três inovações deste período: a indústria
publicitária, os modernos jornais e revistas de circulação de massa e a
fotografia em movimento ou o filme.
No que tange a tecnologia, os automóveis movidos a gasolina
dominam nosso cenário urbano. As comunicações por telefone, telégrafo,
inventadas à época foram aperfeiçoadas mas não superadas. É possível que as
derradeiras décadas do século XX não caibam mais no quadro estabelecido antes de
1914, mas na maioria das vezes este ainda servirá como referência.
A Era dos Impérios é o 3º volume do que acabou sendo um
estudo geral do longo século XIX dos historiadores, que vai, digamos, de 1776 a
1914. O eixo central em torno do qual o autor organizou a história do século XIX
foi o triunfo e a transformação do capitalismo na forma historicamente
específica de sociedade burguesa em sua versão liberal. A história começa com a
dupla e decisiva erupção da Revolução Industrial, na Grã Bretanha, que
estabeleceu a capacidade ilimitada do sistema produtivo, criado pelo
capitalismo, em promover o crescimento econômico e penetração mundial; e da
revolução política franco-americana, que estabeleceu os modelos dominantes das
instituições públicas da sociedade burguesa.
A Era das Revoluções (1789-1848) está estruturado em torno
desse conceito de “revolução dual”.Ela levou à conquista audaciosa do planeta
pela economia capitalista, pela burguesia e sob a bandeira da ideologia do
liberalismo. Este é o principal tema do 2º volume, A Era do Capital, que abarca
o período entre as revoluções de 1848 e o início da Depressão de 1870, quando as
perspectivas da sociedade burguesa e sua economia pareciam tranqüilas.
Economicamente, as dificuldades de uma industrialização e de
um crescimento econômico limitados pela estreiteza de sua base inicial foram
superadas pela disseminação da transformação industrial e pela enorme ampliação
dos mercados mundiais e, socialmente, os descontentamentos explosivos da Era das
Revoluções foram dissipados. Os principais obstáculos que se opunham ao
progresso burguês, contínuo e ilimitado, pareciam removidos.
A Era dos Impérios é dominada por essas contradições: Foi uma
era de paz sem paralelos no Ocidente, que gerou uma era de guerras mundiais,
igualmente sem paralelo.Foi uma era de estabilidade social crescente, dentro das
economias desenvolvidas que forneciam os pequenos grupos humanos capazes de
conquistar e dominar vastos impérios.Mas, gerou nas suas periferias as forças
combinadas da rebelião e da revolução.
Desde 1914, o mundo tem sido dominado pelo medo e às vezes
pela realidade de uma guerra mundial e pelo medo (ou esperança) de uma revolução
– ambas baseadas nas condições históricas – que emergiram da Era dos Impérios.
Foi a era em que: 1º os movimentos de massa organizados da
classe dos trabalhadores assalariados – característica e criação do capitalismo
industrial – emergiram exigindo o seu fim.Mas emergiram em economias prósperas,
onde o capitalismo lhes proporcionava uma vida menos miserável;2º em que as
instituições políticas e culturais do liberalismo se estendiam as massas
operárias (inclusive às mulheres) mas isso forçou a burguesia a ocupar uma
posição marginal no poder político – porque as democracias eleitorais liquidaram
o liberalismo burguês nos países industriais; 3º uma era de crise de identidade
e de transformações. As pessoas jurídicas – grandes organizações empresariais,
as sociedades anônimas – de propriedade de acionistas, que empregavam
administradores e executivos assalariados, começaram a substituir as pessoas
concretas e suas famílias na propriedade e na administração de suas empresas.
Estudamos o momento histórico em que a sociedade e a
civilização criadas pela burguesia liberal transforma-se, marcando a passagem de
seu desenvolvimento inicial para o imperialismo, e de uma forma ou de outra, a
Era dos Impérios antecipa e prepara um mundo quantitativamente diferente do
passado.
Interpretando o texto
1ª Como Hobsbawn usou os dados biográficos para provar as mudanças no mundo?
2ª Quais as dificuldades do historiador do pós guerra?
3ª Quais as transformações citadas pelo autor que criaram o mundo de hoje?
Explique-as.
4ª Comente a divisão feita por Hobsbawn, em sua obra, para entender o mundo
atual