Os Estados Unidos não tinham ainda maior participação nas questões mundiais no período que serve para nossa análise, de 1840 a 1875, salvo se envolvesse o continente americano ou o Pacífico. A independência da América Latina tinha removido as colônias européias, exceto algumas ilhas do Caribe, as Guianas e a presença inglesa no Canadá.
A expansão territorial americana não causava maior alvoroço
nas chancelarias européias. Uma grande parte do Sudoeste (Novo México, Utah,
Colorado, Arizona e Califórnia) foi conquistada ao México após as guerras
1848-1853.
A Europa estava atenta a América devido às emigrações que
para lá se dirigiam. Hobsbawn, de quem retiramos estas idéias, cita o exemplo de
Chicago, cuja população passou de 30 mil para 1 milhão de habitantes entre
1850-1890, tornando-se o 6º maior centro urbano do mundo em 40 anos.
Na América encontravam-se as maiores ferrovias do mundo, em
suas rotas transcontinentais (49.168 km de linhas construídas até 1870). Nenhum
milionário parecia mais self-mad que os americanos. Em nenhum lugar os jornais
eram mais aventurosamente jornalísticos, os políticos mais corruptos, nenhum
país tinha tantas possibilidades.
A América (EUA) ainda era o Novo Mundo, a sociedade aberta
num país aberto, onde o imigrante sem um centavo podia, como se acreditava,
fazer-se por si mesmo e desta forma construir uma República igualitária e
democrática, a única de tamanho e importância no mundo, em 1870.
A imagem da América contrastava com a da velha Europa, era um
lugar onde a pobreza não tinha vez, havia a esperança pessoal do enriquecimento
individual. E, dentro dos EUA, o sonho revolucionário estava longe de
desaparecer, a imagem da República era a de uma terra da igualdade, de
democracia, talvez, uma liberdade anárquica mas de oportunidades ilimitadas,
tudo isto, mais tarde, foi chamado de “destino manifesto da nação”.
Ninguém pode ter uma idéia correta dos Estados Unidos, sem
apreciar este componente utópico, embora obscurecido de forma cada vez maior e
transformado num dinamismo econômico e tecnológico complacente, exceto nos
momentos de crise. Era por origem uma utopia agrária de fazendeiros livres e
independentes numa terra livre.
A grande maioria dos americanos residia em áreas rurais: em
1860 apenas 16% viviam em cidades com mais de 8 mil habitantes. A utopia rural
na sua forma mais literal – o solo livre – podia mobilizar mais o poder político
do que nunca, principalmente no seio da população crescente do Meio Oeste. Ela
contribuiu para a formação do Partido Republicano e para sua orientação
antiescravista. Atingiu seu maior triunfo com o Homestead Act de 1862, que
oferecia a qualquer filho de família americana, maior de 21 anos, 160 acres de
terras grátis, depois de 05 anos de residência contínua ou compra por US$1,25 o
acre, depois de 06 meses.
O Homestead Act fracassou, entre 1862-1890 menos de 400 mil
famílias se beneficiaram do Act, enquanto a população cresceu 32 milhões e,
somente as estradas de ferro venderam mais terras a US$5,00 o acre do que tudo
que havia sido vendido sob o Act.
Seja qual for a forma que escolhermos para olhar as
transformações dos EUA, se o final do sonho revolucionário ou o do início de uma
nova era (do seu imperialismo?), o fato é que dois movimentos se destacam e são
responsáveis por essas transformações: a guerra civil e a marcha para o Oeste.
O expansionismo para o Oeste não era coisa nova, mas foi
tremendamente acelerado neste momento. Depois do descobrimento do ouro na
Califórnia, o Oeste deixou de ser uma espécie de fronteira do infinito e
tornou-se um espaço vazio de planícies, desertos e montanhas suspensos entre
duas áreas em rápido desenvolvimento: o Leste e a Costa do Pacífico. A região
entre o Mississipi e a Califórnia permaneceu bastante vazia, diferindo
inclusive, do ritmo do Centro, já bastante populoso, cultivado e mesmo
industrializado.
As pradarias a Oeste do Mississipi estavam sendo lentamente
colonizados por fazendeiros, o que implicava na remoção dos índios, incluindo
aqueles já transferidos por legislação precedente e pelo massacre dos búfalos.
O Sudoeste permanecia essencialmente campo, isto é cowboy e
terras. As grandes hordas de bois eram levadas no transporte ferroviário para os
grandes matadouros de Chicago. A designação selvagem era devido à falta de
instituições efetivas de governo. A anarquia (paixão pela autonomia individual
com armas) era exagerada pelo sonho de liberdade e do ouro que arrastava os
homens para o Oeste.
A discussão sobre a Guerra Civil gira em torno da sociedade
escravista. A verdadeira questão é saber porque isto levou a Secessão e à guerra
civil ao invés de alguma forma de coexistência? Hobsbawn acredita que o
abolicionismo militante, por si só, não era suficientemente forte para
determinar a política da União e, o capitalismo do Norte poderia ter chegado a
um acordo com o Sul escravista e explorá-lo, e, cita o exemplo da África do Sul,
que mesmo com o apartheid, foi explorada pelos grandes centros econômicos.
Evidentemente as sociedades escravistas, incluindo a do Sul,
estavam com os dias contados, nenhuma delas sobreviveu, nem mesmo Cuba e o
Brasil. Mas o que trouxe o Sul para uma situação de crise, na década de 1850,
foi um problema específico: a dificuldade de coexistência com um capitalismo
dinâmico no Norte e um dilúvio de migração para o Oeste.
Em termos puramente econômicos, o Norte não estava preocupado
com o Sul, uma região agrária, não envolvida em industrialização. Tempo,
população, recursos e produção estavam ao lado do Norte. O Sul, virtual
semicolônia inglesa, para onde encaminhavam a maior parte do algodão, achava
vantajoso o mercado livre enquanto o Norte estava militantemente comprometido
com as tarifas protecionistas e, incapaz de impô-las de forma adequada por causa
dos Estados do Sul. A indústria do Norte preocupava-se mais com o comércio,
metade livre e metade protecionista do que com o trabalho, metade livre e metade
escrava.
Mas a grande superioridade econômica do Norte significava que
o Sul deveria realçar suas reivindicações: a autonomia dos Estados frente à
União e, desencorajar o desenvolvimento do Norte, etc.
A melhoria das comunicações, ligando o Leste ao Oeste,
abria-o para os homens pobres, os brancos atraídos pela terra livre e pelo ouro.
A escravidão era irrelevante nas terras do Oeste. Em resumo, o Norte estava numa
condição de unificar a nação, que o Sul não tinha.
A guerra civil durou 05 anos, em termos de destruição e
mortos, era de longe a maior guerra em que qualquer país “desenvolvido” havia se
envolvido. Os estados do Norte, embora inferiorizados em performance militar
venceram em função de sua vasta população, recursos e capacidade tecnológica.
Possuíam 70% da população, 80% dos homens em idade militar e 90% da produção
industrial.
Terminada a guerra, após alguns anos de reconstrução, o Sul
voltou ao controle dos conservadores, brancos e racistas e, através do voto em
bloco, podiam exercer alguma influência nacional. O Sul permaneceu, por muitos
anos ainda, agrário, pobre e ressentido.
Após a guerra, o capitalismo americano cresceu de forma
dramática, com oportunidades sem precedentes para homens de visão (e pouco
escrúpulo) que se transformaram na primeira leva de multimilionários (Cornelius
Vanderbild morreu em 1877, com uma fortuna de 100 milhões de dólares).
Os EUA eram uma economia capitalista, na qual o dinheiro era
feito pelo desenvolvimento e racionalização dos recursos produtivos do país –
vasto e em rápido crescimento – inserido numa economia mundial em rápido
desenvolvimento.
Ao analisar os novos ricos americanos, os robber-barons,
Hobsbawn destaca três características fundamentais: 1ª a falta de qualquer
controle sobre trocas comerciais, feitas com rudeza e muitas vezes com
escroqueria, assim como oportunidades espetaculares de corrupção, principalmente
após o fim da guerra civil; 2ª os capitalistas americanos pareciam obcecados
pela construção tecnológica, sem a preocupação custo/benefício. Tudo o que
queriam era aumentar suas fortunas, Vanderbild, por exemplo, ganhou 80 ou 90
milhões de sua fortuna, em apenas 16 anos, com construções de ferrovias; 3ª era
óbvia, a extraordinária quantidade de pessoas que souberam fazer-se por si
mesma, a carreira de jovens que viram a oportunidade e apanharam-na enfrentando
todos os desafios. Homens que estavam imbuídos pelo imperativo capitalista da
acumulação de riqueza.
Os homens da América poderiam ser seus próprios dirigentes,
ninguém podia ou devia tornar-se dominador, essa pelo menos era a utopia agrária
que descrevemos. Mas, com a industrialização da América surgiu a classe operária
e, então essa utopia petrificou-se e, a classe operária descobriu então que o
capital pode ser tão rígido quanto uma monarquia absoluta.
José Tadeu Cordeiro baseou-se em Eric John Hobsbawn, A Era do
Capital, Os vencedores, 1ª parte.
Interpretando o texto
1.Explique a imagem interna e externa da América, no século XIX.
2.Como surgiu o Partido Republicano e quais interesses e idéias ele
representava?
3. O que foi o Homestead Act? Em que sentido o autor afirma que ele fracassou?
4.Quais os dois movimentos mais importantes da América neste período (1840-75)?
Explique sucintamente estes dois episódios da vida americana.
5.Explique:“ o Oeste deixou de ser uma fronteira do infinito e tornou-se um
espaço vazio de planícies, desertos e montanhas suspensos entre duas áreas em
rápido desenvolvimento: o Leste e a Costa do Pacífico”.
6.Quais os interesses das sociedades do Norte e do Sul que as levaram a guerra
civil? Qual a importância do trabalho e das tarifas protecionistas nesta crise
que levou a guerra?
7.Explique a vitória do Norte. Como se desenvolveu o capitalismo americano no
pós-guerra? Quais as características dos novos ricos americanos?
08. Hobsbawn afirma que o componente utópico cedeu lugar a uma análise que leva
em conta somente o dinamismo econômico e o desenvolvimento tecnológico. Essa
imagem da América do século XIX combina com a imagem atual dos EUA? Como
explicar essa diferença de interpretação histórica?