Mania de mão dupla
    Advogado reúne frases que podem ser lidas de trás para a frente

    FRANCISCO ALVES FILHO

    A base do teto desaba. Além da impressão desagradável, a frase acima encerra um encanto. Basta que, em vez de ler no sentido normal – da esquerda para a direita –, se experimente ir da direita para a esquerda. O mistério se revela: a afirmação continua lá, literalmente a mesma. Trata-se de um palíndromo, ou seja, uma frase que pode ser lida nos dois sentidos mantendo o mesmo significado. Fenômenos como esse são resultado da engenhosidade de algumas pessoas que fazem da criação de palíndromos um passatempo. A tradição vem desde a Grécia, no século III a.C., e no Brasil é hoje cultivada por alguns poucos interessados. Um desses é o advogado Rômulo Marinho, que acaba de lançar um livro sobre o assunto com o título palindrômico Tucano na CUT? (LGE Editora, 165 páginas). "É uma atividade que deveria ser implantada nas salas de aula, pois desenvolve a lógica e possibilita que se aprenda o idioma de uma forma divertida", defende ele. Além de fazer um resumo histórico e apresentar 202 novos palíndromos – entre os quais, a frase que abre o parágrafo –, Marinho revela ainda que personalidades como Chico Buarque, Caetano Veloso, o poeta Pedro Nava e o político mineiro Afonso Arinos também aderiram a esse jogo de palavras.

    O palíndromo criado por Caetano Veloso aparece no refrão da música Irene, composta em 1969. "Irene ri", diz o baiano – não se sabe se voluntária ou involuntariamente. Já Chico Buarque gastou cinco horas para bolar a frase enigmática "Até Reagan sibarita tira bisnaga ereta". Afonso Arinos lançou um livro com o título "Amor a Roma" e Pedro Nava escreveu o poema Palíndromo do amigo.

    Um palindromaníaco que não é citado no livro, o jornalista Millôr Fernandes diz que esse tipo de quebra-cabeça é uma atividade intelectual que lhe dá prazer. "Só na linguagem há um número infinito de formas, fórmulas e descobertas de extraordinário interesse", explica. Um dos palíndromos de sua autoria é "A grama é amarga". Apesar do sentido lúdico, Millôr não acredita na popularização desse jogo de palavras. "É muito difícil para se transformar em moda." Ele acredita que a prática é comum a um reduzido número de intelectuais no mundo, com interesses poéticos e filosóficos. Mesmo assim, Rômulo Marinho pretende incentivar o interesse pelo assunto e para isso incluiu no seu livro o jogo que sugere ao leitor a montagem de seu próprio palíndromo. "A palindromia é uma das melhores recreações pedagógicas que um professor pode apresentar em sala de aula", afirma.

Produção famosa

Ali vai fama da máfia vilã
Laço bacana para panaca boçal
O Cid é médico
E até o papa poeta é
Ótimo seu Tiago, rogai. Tu és o mito
Rômulo Marinho

 

Irene ri
Caetano Veloso

 

A grama é amarga
A mala nada na lama
Millôr Fernandes

 

Roma me tem amor
Domínio público