A Batalha do Livro Didático – A Idade das Sombras

Professor Ivan Tavares Scotelari de Souza

 

 

-- II ---

     Vários anos se passaram. O flagelo que enegrecia as mentes dos cultureks não se dissipara. Como a luz das joias não podia mais ser compreendida, era impossível instruir como antes os mais jovens de maneira a substituir os cultureks que morriam. Sua sociedade era complexa e ainda havia uma guerra contra os ignorks que fustigava as fronteiras do reino. As máquinas já não eram reparadas como no passado e a produção de alimentos e outros bens começara a ficar comprometida. Os habitantes de Tumont tentaram sem sucesso, transmitir oralmente suas ideias, mas estas se perdiam ou se tornavam confusas ao passarem de indivíduo para indivíduo.

     Agora os cultureks dependiam desesperadamente de seus anciãos. Antes reverenciados pela luz que emanavam, oriunda de décadas de convívio com as joias, passaram a ser os únicos responsáveis pelo enorme conhecimento de seu povo. Eram eles a quem os mais jovens recorriam para tentar salvar seu reino. Infelizmente por fim, os anciãos morreram. Ano após ano, os cultureks foram perdendo aqueles que ainda guardavam grande parte da luz de Tumont. Antes orgulhosos de suas conquistas e realizações, os cultureks perceberam com grande pesar que sua civilização estava fadada ao desaparecimento.

     Em meio ao caos que começava a se espalhar em muitos pontos do reino, oriundo da fragmentação da sociedade culturek, um indivíduo se empenhava em uma árdua tarefa. Este culturek, conhecido apenas como guardião, percorria toda Tumont, cidade após cidade, vila após vila, recolhendo todas as joias de luz que pudesse encontrar. O guardião fora um aprendiz do último ancião a guardar o brilho de seu povo. Tristemente, o aprendiz lamentava não ter sido capaz de absorver de seu mestre tanto quanto este poderia lhe oferecer. A vida em Tumont era cada vez mais difícil e os últimos anos do ancião o condenara a sofrer moléstias que no passado seriam facilmente debeladas, mas que agora representavam uma provação a mais para os cultureks.

     As joias coletadas pelo guardião foram guardadas em um castelo desabitado. Mais e mais cultureks abandonavam os campos e se refugiavam nas cidades. As debilitadas forças de Tumont não eram mais capazes de impedir que grupos de ignorks avançassem e saqueassem as vilas e fazendas do reino.

     O guardião agarrava-se a um fio de esperança. Seu mestre lhe ensinara muito sobre a luz que as joias emanavam. O aprendiz nunca fora capaz de perceber este brilho, mas sabia que o destino de seu povo permanecia ligado a elas.

     Antes de morrer, o ancião lhe presenteara com uma joia de luz. O guardião olhou para ela em busca da luz que nunca vira. Infelizmente, como nas outras, nada percebeu. Seu mestre lhe pedira que a guardasse sempre consigo e que nunca se desfizesse dela. Sem entender o significado daquilo, o aprendiz concordou gentilmente.

     No interior de seu castelo o guardião olhava para centenas de joias de luz acomodadas em enormes estantes. Ele estava cercado por elas, fruto de inúmeras viagens através do reino. Seu corpo e sua mente estavam exaustos. Mais uma vez o aprendiz se perguntara por que fizera aquilo. Sentia-se como um tolo. Há muito tempo as joias haviam sido relegadas pelos cultureks a uma simples lembrança de um passado glorioso. Apesar disso, ao receber aquela joia que trazia consigo, o aprendiz fora tomado por uma estranha sensação que de forma inexplicável lhe motivara em sua tarefa.

     Agora, rodeado por uma grande quantidade de joias, o guardião se aproxima de um rústico pedestal, localizado no centro do maior salão do castelo. Naquele pedestal, criado com suas próprias mãos, o aprendiz deposita a joia de luz que recebera de seu ancião. Por um instante o aprendiz fecha seus olhos. Um leve tremor percorre seu corpo. Sua mente divaga sobre seu futuro incerto. Ele lastima a sorte de seu povo e naquele momento decide voltar à capital do reino e se unir às últimas forças de defesa de Tumont. Lentamente abre seus olhos e contempla mais uma vez as joias em suas prateleiras.

     Como por um encanto, vindo de todas as direções, sons de palavras desconhecidas invadem sua mente. Assustado, o guardião apóia-se no pedestal e seus olhos fixam-se na joia guardada ali. Um impulso incontrolável o leva a segurá-la. Suas mãos percorrem toda sua extensão e em um movimento brusco, o guardião abre a joia. Como qualquer outra, ela estava repleta de inscrições e símbolos que se tornaram incompreensíveis para todos os cultureks, após o poderoso feitiço de Dommagu ter sido lançado.

     Maravilhado, o aprendiz deixa-se dominar por uma torrente de luz que de forma quase assustadora invade seu ser. Traços e linhas começam a se rearranjar criando imagens de figuras que se entrelaçavam em inscrições formando associações na mente do aprendiz. Este finalmente percebe que em suas mãos estava uma das joias primordiais. Era uma das primeiras joias de luz criadas pelos cultureks há centenas de anos e que permitiram a seu povo trilhar a longa jornada que os separaram de seus ancestrais ignorks.

     Naquele castelo, as muitas joias reunidas foram capazes de neutralizar a magia do feiticeiro, despertando a luz no interior daquela joia especial. Aos poucos, o guardião pode compreender as informações contidas nas diversas camadas da joia. Sua mente ávida de saber imobiliza-o por várias horas ali mesmo, sentado no meio do salão.

     Finalmente o aprendiz levanta-se com certo esforço e titubeante aproxima-se da estante mais próxima. Retira lentamente uma das joias ali alojadas. Com suas mãos trêmulas, abre o objeto observando-o por alguns instantes. De forma tênue, mas feliz, um sorriso marca-lhe o semblante.