A Batalha do Livro Didático – A Idade das Sombras

Professor Ivan Tavares Scotelari de Souza

 

 

--- I ---

      O reino de Tumont era habitado por um povo milenar de grande sabedoria, os cultureks. O maior tesouro para os cultureks eram as joias de luz. Por incontáveis gerações estas joias foram cultuadas e reverenciadas como a base de toda sua civilização.

     Quanto mais joias possuísse um culturek, mais afortunado este se sentia. O brilho de uma joia de luz permitia a seu possuidor um grande poder de transformação. Este poder era empregado não somente em benefício próprio, mas também de toda uma comunidade.

     Em determinados momentos, os cultureks reuniam-se em grandes grupos para a maior festividade de seu reino. Cada cidadão compartilhava o brilho de suas joias, transferindo-o para outras destituídas de luz. Assim, mais e mais cultureks multiplicavam suas joias e enriqueciam-se com poder emanado por elas.

    Alguns cultureks tinham um dom especial. Eram capazes de criar uma joia de luz. Utilizando o brilho que emanava de seu interior, este culturek transformava uma joia vazia, tornado-a capaz de brilhar. Era um brilho todo especial oriundo de sua própria mente. Formava-se à partir do conjunto de experiências e descobertas mas também do desejo de acrescentar algo de útil e positivo a seu povo. Desenvolver este dom era um trabalho árduo para um culturek podendo levar vários anos para adquiri-lo. Aqueles que o possuíam eram estimados e respeitados por toda sociedade culturek.

     Ao redor do reino de Tumont existiam vastas áreas pouco exploradas. Estas regiões eram habitadas pelos ignorks. Apesar de parecidos com os cultureks, os ignorks temiam o brilho das joias. Eram incapazes de utilizar sua luz, incorporando-a em suas mentes e vidas.

     Inúmeras vezes, os cultureks tentaram sem sucesso, estabelecer contato com os ignorks. A reação destes tornara-se cada vez mais violenta à medida que a civilização dos cultureks florescia e os ignorks permaneciam na mais completa estagnação.

     Após algum tempo, os cultureks perceberam que os chefes tribais de seus vizinhos temiam que as joias de luz diminuíssem o poder que possuíam sobre seus iguais. Pela influência destes chefes, os ignorks destruíam todas as joias que lhes foram oferecidas.

     Enquanto as terras de Tumont eram cultivadas e preservadas por seus habitantes, os ignorks foram exaurindo lentamente as riquezas naturais das áreas em que viviam. Sua população crescia e a busca por alimento e outros recursos vitais promovia constantes batalhas entres os diferentes grupos de ignorks.

     Os ignorks cobiçavam as terras dos cultureks, mas temiam as máquinas criadas por eles. Mesmo sendo fisicamente mais fortes e muito mais numerosos, os ignorks não ousavam atacar o reino de Tumont. Os cultureks eram capazes de lançar pedras que explodiam como um vulcão, de colocar fogo na água, de controlar animais selvagens, utilizando sua força e velocidade e ainda produzir materiais mais resistentes que a madeira que os ignorks usavam em suas lanças e flechas.

     Esta realidade perdurou por várias gerações até que vindo de uma região muito além das terras dos ignorks, surgiu um poderoso feiticeiro. Seu nome era Dommagu. Senhor de grande magia, Dommagu não só possuía um grande controle sobre diversos animais selvagens, mas também era capaz de invocar a presença de todos os monstros e criaturas malignas que povoavam a mente dos ignorks.

     Diante de tamanho poder e da promessa da conquista das terras dos cultureks, os chefes tribais dos ignorks submeteram-se às ordens de Dommagu.

     O que se seguiu foi um violento conflito entre os dois povos. Hordas de ignorks reforçadas por inúmeras criaturas monstruosas invadiram as fronteiras do reino de Tumont. Mesmo avessos à violência, os cultureks reagiram. Com o poder das joias de luz, criaram máquinas e armas cada vez mais poderosas e fizeram frente ao avanço das forças invasoras.

     Todas as tentativas dos cultureks para por fim à guerra foram rechaçadas pelos ignorks. Dommagu interpretava isso como um sinal de fraqueza e instigava ainda mais os ignorks para a luta. Milhares deles morreram em inúmeras batalhas e a vitória que parecia fácil foi se tornando cada vez mais distante para os agressores.

     Quando uma máquina de guerra, ao ser destruída ou danificada, rapidamente era substituída ou reparada pelos defensores. Poucos baixas ocorriam entre os soldados de Tumont. Estes possuíam armaduras resistentes aos ataques das flechas e lanças dos ignorks e as feras controladas por Dommagu eram mortas ou afugentadas pelas pedras explosivas lançadas a grandes distâncias pelos cultureks.

     O medo, a inveja e o ódio que os ignorks cultivavam pelos cultureks ampliou-se consideravelmente. Este fato reforçava o poder do terrível feiticeiro. Dommagu deliciava-se ao falar para centenas de ignorks avivando seus mais profundos temores, buscando dentro de cada um deles as trevas que tanto nutriam seu ser.

     Antes que se dessem conta, todos os chefes tribais perderam sua influência. Foram esquecidos, perdidos em meio à escuridão que envolvia a mente dos ignorks. Agora para eles só existia Dommagu. Os ignorks atrelaram seu destino e suas vidas à vontade de apenas um homem. Afastaram quaisquer dúvidas que lhes surgissem. Suas mentes foram anestesiadas pelas palavras do feiticeiro, se entregando a mais profunda ausência de luz.

     Apesar de seu poder, Dommagu percebeu que não poderia derrotar os cultureks. Estes não eram afetados por sua magia como os ignorks, e por mais que se esforçasse, o feiticeiro não encontrava em suas mentes os mesmos pensamentos tortuosos, impregnados de mitos e lendas, tão comuns aos reinos que conquistara.

     Dommagu era imortal. Por incontáveis gerações sua presença promovia a discórdia e a desesperança entre os povos que o conheceram. Sem que pudessem evitar, estes povos se aniquilavam, mergulhados na terrível sombra que cercava o feiticeiro.

    Mas os cultureks eram um perigo real para Dommagu. Se o brilho das joias de luz se espalhasse para as terras além de Tumont, seus dias estariam contados. Pensando nisso, mas incapaz de destruir estas joias, o vilão reúne toda sua energia em uma poderosa magia, lançando-a sobre seus inimigos.

     Naquele momento, por todo o reino, os cultureks foram acometidos por uma assustadora sensação. Algo de extremo valor lhes havia sido tirado. Foram incapazes de perceber de imediato o porquê de sua perda, mas os dias que se seguiram foram os mais angustiantes em toda a longa história de seu povo.

     Dommagu ficara bastante debilitado. Sua energia vital quase se esgotara, mas ele se recuperaria com o tempo. O feiticeiro sorria em seu íntimo. Sabia que gradualmente os cultureks perderiam a guerra sendo finalmente derrotados.

     Em Tumont, os primeiros a identificar o mal que os afligia, pertenciam a um grupo especial de cultureks. Sua função era transmitir aos jovens do reino a maneira pela qual o brilho das joias da luz podia ser assimilado. Estes cultureks eram de grande importância, pois não só compartilhavam a compreensão das joias, mas muitos deles eram responsáveis pela criação e transformação da luz emanada por elas. Com grande pavor, eles perceberam que não podiam mais  receber das joias aquilo que as tornava tão preciosas.

     Uma onda de desespero se espalhou rapidamente por toda Tumont. Os cultureks souberam que não apenas alguns, mas todos no reino tinham sido acometidos pelo terrível mal. A partir daquele momento, as joias de luz não os auxiliariam mais em suas vidas. A luz proveniente delas não mais inundava suas mentes, cada qual lhes transmitindo uma parcela da riquíssima sociedade culturek. Agora os cultureks sentiam-se sós em si mesmos como nunca em suas vidas. As joias representavam e armazenavam toda uma gama de experiências e descobertas, todas as informações que permitiam a um culturek conhecer o passado de seu povo e ter confiança em seu futuro. Um futuro que fora seriamente comprometido pela sombra maligna de Dommagu.