A
infecção pelo HIV pode ser dividida em quatro fases clínicas: 1)
infecção aguda; 2) fase assintomática, também conhecida como latência
clínica; 3) fase sintomática inicial ou precoce; e 4) aids.
Infecção
aguda A infecção aguda, também chamada de síndrome da infecção retroviral aguda ou infecção primária, ocorre em cerca de 50% a 90% dos pacientes. Seu diagnóstico é pouco realizado devido ao baixo índice de suspeição, sendo, em sua maioria, retrospectivo. O tempo entre a exposição e os sintomas é de cinco a 30 dias. A história natural da infecção aguda caracteriza-se tanto por viremia elevada, como por resposta imune intensa.
Durante
o pico de viremia, ocorre diminuição rápida dos linfócitos T CD4+,
que posteriormente aumentam, mas geralmente não retornam aos níveis prévios
à infecção. Observa-se, também, aumento do número absoluto de linfócitos
T CD8+ circulantes, com a inversão da relação CD4+/CD8+, que se torna
menor que um. Este aumento de células T CD8+, provavelmente, reflete
uma resposta T citotóxica potente, que é detectada antes do
aparecimento de anticorpos neutralizantes. Existem evidências de que a
imunidade celular desempenha papel fundamental no controle da viremia na
infecção primária. Os sintomas aparecem durante o pico da viremia e da atividade imunológica. As manifestações clínicas podem variar, desde quadro gripal até uma síndrome mononucleose-like. Além de sintomas de infecção viral, como febre, adenopatia, faringite, mialgia, artralgia, rash cutâneo maculopapular eritematoso, ulcerações muco-cutâneas envolvendo mucosa oral, esôfago e genitália, hiporexia, adinamia, cefaléia, fotofobia, hepatoesplenomegalia, perda de peso, náuseas e vômitos; os pacientes podem apresentar candidíase oral, neuropatia periférica, meningoencefalite asséptica e síndrome de Guillain-Barré. Os achados laboratoriais inespecíficos são transitórios, e incluem: linfopenia seguida de linfocitose, presença de linfócitos atípicos, plaquetopenia e elevação sérica das enzimas hepáticas. Os sintomas duram, em média, 14 dias, sendo o quadro clínico autolimitado. A ocorrência da síndrome de infecção retroviral aguda clinicamente importante ou a persistência dos sintomas por mais de 14 dias parecem estar relacionadas com a evolução mais rápida para aids. O quadro abaixo mostra os sinais e sintomas freqüentemente associados à sindrome viral aguda causada pelo HIV. Principais sinais e sintomas associados a infecção aguda pelo HIV
Adaptado
de Kahn et al, 1998
Após
a resolução da fase aguda, ocorre a estabilização da viremia em níveis
variáveis (set points), definidos pela velocidade da replicação
e clareamento viral. O set point é fator prognóstico de evolução
da doença. A queda da contagem de linfócitos T CD4+, de 30 a 90 células
por ano, está diretamente relacionada à velocidade da replicação
viral e progressão para a aids.
Fase
assintomática
Na
infecção precoce pelo HIV, também conhecida como fase assintomática,
o estado clínico básico é mínimo ou inexistente. Alguns pacientes
podem apresentar uma linfoadenopatia generalizada persistente,
"flutuante" e indolor. Portanto, a abordagem clínica nestes
indivíduos no início de seu seguimento prende-se a uma história clínica
prévia, investigando condições de base como hipertensão arterial
sistêmica, diabetes, DPOC, doenças hepáticas, renais, pulmonares,
intestinais, doenças sexualmente transmissíveis, tuberculose e outras
doenças endêmicas, doenças psiquiátricas, uso prévio ou atual de
medicamentos, enfim, situações que podem complicar ou serem agravantes
em alguma fase de desenvolvimento da doença pelo HIV. A história
familiar, hábitos de vida, como também uma avaliação do perfil
emocional e psicossocial do paciente, seu nível de entendimento e
orientação sobre a doença são extremamente importantes. No que diz
respeito à avaliação laboratorial nesta fase, uma ampla variedade de
alterações podem estar presentes. Os exames laboratoriais de rotina
recomendados são:
·
Hemograma
completo: para avaliação de anemia, leucopenia, linfopenia e
plaquetopenia. · Níveis bioquímicos: para uma visão das condições clínicas gerais, em particular para conhecimento dos níveis bioquímicos iniciais dos pacientes, principalmente funções hepática e renal, desidrogenase lática, amilase.
·
Sorologia para sífilis: em função do aumento da incidência de co-infecção,
visto que a infecção pelo HIV pode acelerar a história natural da sífilis.
Recomenda-se o VDRL e se positivo o exame confirmatório FTA-ABS.
Pacientes HIV+ com evidências sorológicas de sífilis não tratada
devem ser submetidos a punção lombar e avaliação para neurolues.
· Sorologia para os vírus da hepatite: devido a alta incidência de co-infecção com hepatites B e C nos grupos de homossexuais, bissexuais, heterossexuais com múltiplos parceiros e usuários de drogas injetáveis. O screening recomendado para hepatite B é antígeno de superfície (HBS Ag) e o anticorpo anticore do vírus B (anti-HBc); para a hepatite C: anticorpo contra o vírus da hepatite C (Anti-HCV).
·
Sorologia para toxoplasmose (lgG): em decorrência da maioria dos pacientes
apresentar exposição prévia ao Toxoplasma gondii, sendo
indicada a profilaxia em momento oportuno, conforme faixa de células T
CD4+ do paciente. Os métodos preferenciais são: hemoaglutinação,
imunofluorescência ou ELISA.
·
Sorologia
para citomegalovírus (CMV) e herpes: embora questionada, indica-se para
detecção de infecção latente. Pacientes com sorologia negativa para
citomegalovírus devem evitar exposição a hemoderivados de doadores
com sorologia positiva, em caso de necessidade de transfusões sangüíneas.
·
Radiografia
de tórax: recomenda-se na avaliação inicial como parâmetro basal
para possíveis alterações evolutivas no futuro ou em pacientes com
história de doença pulmonar freqüente.
·
PPD
(derivado protéico purificado): teste recomendado de rotina anual para
avaliação da necessidade de quimioprofilaxia para tuberculose. Em
paciente com infecção pelo HIV, considera-se uma enduração > 5mm
como uma reação forte e indicativa da necessidade de quimioprofilaxi
·
Papanicolaou:
recomendado na avaliação ginecológica inicial, seis meses após e, se
resultados normais, uma vez a cada ano. Sua indicação é de
fundamental importância, devido a alta incidência de displasia
cervical e rápida progressão para o câncer cervical em jovens HIV
positivas.
·
Perfil
imunológico e carga viral: é, sem dúvida, um dos procedimentos mais
importantes na avaliação do paciente com infecção precoce pelo HIV,
pois é a partir dela, através da interpretação dos vários testes
atualmente disponíveis, que se pode ter parâmetros do real
estadiamento da infecção, prognóstico, decisão quanto ao início da
terapia anti-retroviral e avaliação da resposta ao tratamento, bem
como o uso de profilaxia para as infecções oportunistas mais comuns na
ocasião propícia. Recomenda-se a realização periódica de
sub-tipagem de células T CD4+ e avaliação quantitativa da carga viral
para HIV a cada 3-4 meses. Fase sintomática inicial
·
Sudorese
noturna: é queixa bastante comum e tipicamente inespecífica entre os
pacientes com infecção sintomática inicial pelo HIV. Pode ser
recorrente e pode ou não vir acompanhada de febre. Nessa situação
deve ser considerada a possibilidade de infecção oportunista,
particularmente tuberculoses, lançando-se mão de investigação clínica
e laboratorial específicas. · Fadiga: também é freqüente manifestação da infecção sintomática inicial pelo HIV e pode ser referida como mais intensa no final de tarde e após atividade física excessiva. Fadiga progressiva e debilitante deve alertar para a presença de infecção oportunista, devendo ser sempre pesquisada.
·
Emagrecimento:
é um dos mais comuns entre os sintomas gerais associados com infecção
pelo HIV, sendo referido em 95-100% dos pacientes com doença em
progressão. Geralmente encontra-se associado a outras condições como
anorexia. A associação com diarréia aquosa o faz mais intenso.
·
Diarréia:
consiste em manifestação freqüente da infecção pelo HIV desde sua
fase inicial. Determinar a causa da diarréia pode ser difícil e o
exame das fezes para agentes específicos se faz necessário. Na infecção
precoce pelo HIV, patógenos entéricos mais comuns devem ser
suspeitados: Salmonella sp, Shigella sp, Campylobacter sp, Giardia
lamblia, Entamoeba histolytica, adenovírus, rotavírus. Agentes
como Cryptosporidium parvum e Isospora belli, geralmente
reconhecidos em fase mais avançada da doença causada pelo HIV, podem
apresentar-se como expressão clínica autolimitada, principlamente com
a elevação da contagem de células T CD4+ obtida com o iníco do
tratamento anti-retroviral. Quando a identificação torna-se difícil
ou falha, provas terapêuticas empíricas podem ser lançadas,
baseando-se nas características epidemiológicas e clínicas do quadro. · Sinusopatias: sinusites e outras sinusopatias ocorrem com relativa freqüência entre os pacientes com infecção pelo HIV. A forma aguda é mais comum no estágio inicial da doença pelo HIV, incluindo os mesmos agentes considerados em pacientes imunocompetentes: Streptococus pneumoniae, Moraxella catarrhalis e H. influenzae. Outros agentes como S. aureus e P. aeruginosa e fungos têm sido achados em sinusite aguda, porém seu comprometimento em sinusites crônicas é maior. Febre, cefaléia, sintomas locais, drenagem mucopurulenta nasal fazem parte do quadro.
· Candidíase Oral e Vaginal (inclusive a recorrente): a candidíase oral é a mais comum infecção fúngica em pacientes portadores do HIV e apresenta-se com sintomas e aparência macroscópica característicos. A forma pseudomembranosa consiste em placas esbranquiçadas removíveis em língua e mucosas que podem ser pequenas ou amplas e disseminadas. Já a forma eritematosa é vista como placas avermelhadas em mucosa, palato mole e duro ou superfície dorsal da língua. A queilite angular, também freqüente, produz eritema e fissuras nos ângulos da boca. Mulheres HIV+ podem apresentar formas extensas ou recorrentes de candidíase vulvo-vaginal, com ou sem acometimento oral, como manifestação precoce de imunodeficiência pelo HIV, bem como nas fases mais avançadas da doença. As espécies patogênicas incluem Candida albicans, C. tropicalis, C. parapsilosis e outras menos comumente isoladas.
·
Leucoplasia
Pilosa Oral: é um espessamento epitelial benigno causado provavelmente
pelo vírus Epstein-Barr, que clinicamente apresenta-se como lesões
brancas que variam em tamanho e aparência, podendo ser planas ou em
forma de pregas, vilosidades ou projeções. Ocorre mais freqüentemente
em margens laterais da língua, mas podem ocupar localizações da
mucosa oral: mucosa bucal, palato mole e duro.
·
Gengivite:
a gengivite e outras doenças periodontais pode manifestar-se de forma
leve ou agressiva em pacientes com infecção pelo HIV, sendo a evolução
rapidamente progressiva, observada em estágios mais avançados da doença,
levando a um processo necrotizante acompanhado de dor, perda de tecidos
moles periodontais, exposição e seqüestro ósseo.
·
Úlceras
Aftosas: em indivíduos infectados pelo HIV é comum a presença de úlceras
consideravelmente extensas, resultantes da coalescência de pequenas úlceras
em cavidade oral e faringe, de caráter recorrente e etiologia não
definida. Resultam em grande incômodo produzindo odinofagia, anorexia e
debilitação do estado geral com sintomas constitucionais acompanhando
o quadro.
·
Herpes
Simples Recorrente: a maioria dos indivíduos infectados pelo HIV é
co-infectada com um ou ambos os tipos de vírus herpes simples (1 e 2),
sendo mais comum a evidência de recorrência do que infecção primária.
Embora o HSV-1 seja responsável por lesões orolabiais e o HSV-2 por
lesões genitais, os dois tipos podem causar infecção em qualquer sítio.
Geralmente a apresentação clínica dos quadros de recorrência é atípica
ao comparar-se aos quadros em indivíduos imunocompetentes, no entanto,
a sintomatologia clássica pode manifestar-se independente do estágio
da doença pelo HIV.
·
Herpes
Zoster: de modo similar ao que ocorre com o HSV em pacientes com doença
pelo HIV, a maioria dos adultos foi previamente infectada pelo vírus
varicela zoster, desenvolvendo episódios de herpes zoster freqüentes.
O quadro inicia com dor radicular, rash localizado ou segmentar
comprometendo um a três dermátomos, seguindo o surgimento de
maculopapulas dolorosas que evoluem para vesículas com conteúdo
infectante. Pode também apresentar-se com disseminação cutânea
extensa.
·
Trombocitopenia:
na maioria das vezes é uma anormalidade hematológica isolada com um número
normal ou aumentado de megacariócitos na medula óssea e níveis
elevados de imunoglobulinas associadas a plaquetas, síndrome clínica
chamada púrpura trombocitopênica imune. Clinicamente, os pacientes
podem apresentar somente sangramentos mínimos como petéquias,
equimoses e ocasionalmente epistaxes. Laboratorialmente considera-se o número
de plaquetas menor que 100.000 células/mm3.
Doenças
oportunistas
São
doenças que se desenvolvem em decorrência de uma alteração imunológica
do hospedeiro. Estas são geralmente de origem infecciosa, porém várias
neoplasias também podem ser consideradas oportunistas.
As
infecções oportunistas (IO) podem ser causadas por microrganismos não
considerados usualmente patogênicos, ou seja, não capazes de
desencadear doença em pessoas com sistema imune normal. Entretanto,
microrganismos normalmente patogênicos também podem, eventualmente,
ser causadores de IO. Porém, nesta situação, as infecções
necessariamente assumem um caráter de maior gravidade ou agressividade
para serem consideradas oportunistas.
As
doenças oportunistas associadas à aids são várias, podendo ser
causadas por vírus, bactérias, protozoários, fungos e certas
neoplasias: · Vírus: Citomegalovirose, Herpes simples, Leucoencafalopatia Multifocal Progressiva.
·
Bactérias:
Micobacterioses (tuberculose e complexo Mycobacterium
avium-intracellulare), Pneumonias (S. pneumoniae),
Salmonelose.
·
Fungos:
Pneumocistose, Candidíase, Criptococose,
·
Protozoários:
Toxoplasmose, Criptosporidiose, Isosporíase. · Neoplasias: sarcoma de Kaposi, linfomas não-Hodgkin, neoplasias intra-epiteliais anal e cervical.
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